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Artesãs Periféricas têm suas histórias contadas em exposição

A artesã e publicitária Uli Batista realizou a exposição chamada TOQUE com o intuito de incitar o debate de como o arte-sanato se manifesta no corpo feminino periférico. Para isto, foi à com e entrevistou quatro artesãs. Tamires Ferreira

A assistente social, aquarelista, poetisa e artesã de acessórios que mesclam todas as potências que trabalha, Tamires foi a entrevistada mais jovem do projeto. Ela nos presenteia com uma narrativa fortemente marcada pela presença da natureza, negritude e o reconhecimento da potência enquanto mulher que anda acompanhada de outras mulheres. Conheça os quadros que metamorfam sua caminhada com a arte e o artesanato:



Ao entrar na história de Tamires, entramos em sua casa e com a primeira vista de sua morada, abre-se a exposição: Entre em casa, tire os sapatos e fique à vontade. Esta foi uma das primeiras do bairro Antônio Bezerra, conseguindo preservar um ambiente arborizado. (Quadro 1)

É a partir do ambiente da casa que Tamires relata longas experiências com seu processo de criar histórias e do seu contato com a natureza, que permanece forte. Dessa maneira, o segundo quadro representa parte desta infância de uma menina entre folhas e flores. (Quadro 2) O seguinte representa o processo da adolescência, em que a entrevistada relata seu desenvolvimento em torno de uma baixa autoestima provocada pelo racismo. A fonte pensada para escrevê-lo é grande e arredondada, todavia possui um traço afilado, formando a ideia de o racismo pode ser sutil, mas ele pode o ocupar um espaço extremamente grande e representativo no desenvolvimento de uma mulher negra. (Quadro 3)

A partir do reconhecimento do racismo, surge a fala sobre fazer morada de si, sobre o seu processo de empoderamento construído, tijolo a tijolo, para chegar na Tamires expressiva e segura que entrevistamos e representamos no quadro "Ateliê Interior" (Quadro 4). Por conseguinte, é questionada sobre o seu processo artístico. A partir do próprio olhar, pontua a importância de algumas obras, sempre representando outras mulheres negras e destacou uma, que transformamos em um quadro releitura (Quadro 5). Em palavras, Tamy consegue resumir seu trabalho em infinitude. Sua arte artesanal é uma maneira de expandir seus pensamentos e tornar-se uma comunicação com o futuro (Quadro 6).

Além disso, o âmbito do trabalho “ser potência” para outras pessoas foi uma fala fortemente pontuada. O mover-se coletivamente é algo fundamental no olhar de Tamires, por isso quando pessoas remam juntas, chegamos bem mais longe (quadro 7). Ela ainda acrescentou sobre o quão foi importante o próprio recorte e a técnica aquarela, em que ela se percebe cercada de mulheres diversas como uma rede apoio e fortalecimento (quadro 8).

Ao encerrar a entrevista, provoquei a artista a encarrar as próprias mãos: “São muitas, são como mãos dentro de mãos”. Esta resposta levou ao último quadro, que tornou-se um arranjo de mãos com a provocação de formar uma vulva quando observado de longe (quadro 9). Tamires é uma artista artesanal fora da curva, desde muito jovem reconhecendo-se como tal e expressando seu trabalho com enorme potência, fazendo contraste com as demais artesãs pela diferença geracional. Ana Lúcia

Artesã de Barro e uma das poucas artistas do bairro que abre a frente da casa para colocar seus trabalhos à venda. Entre vasos enormes, decorações para jardins e pequenas artigos expostos na garagem da casa, Ana Lúcia se mantém presente como artesã e a atual provedora da renda de sua família através do artesanato.



As primeiras falas de Ana buscaram suas memórias da infância e a forte relação afetiva que tem com a sua cidade natal Aracoiaba, na qual teve a oportunidade de se aventurar em intensos banhos de rio, que para chegar atravessava grandes canaviais. O primeiro quadro retrata essa ânsia de chegada ao mergulho.

Seguindo as memórias, Ana discorreu sobre sua vinda para Fortaleza e a constante fala “Eu queria morar era lá [aracoiaba], mas só vou de vez em quando.” Geograficamente, Ana moveu-se de Aracoiaba para Fortaleza e morou durante pouco tempo com umas irmãs para estudar e somente após o casamento, houve a mudança para o bairro Antônio Bezerra, movimento o qual representamos em mapas (quadro 2). O simbolismo de um ônibus é fortemente marcado na vivência de quem faz a transição do interior para a cidade e vive em uma constante saudade (quadro 3).


Após o casamento Dona Ana tomou a decisão de se tornar dona de casa e se orgulha em dizer que acompanhou o crescimento dos filhos de perto, que os três encontram-se formados e “encaminhados na vida”. (Quadro 04) Quando questionada sobre sobre seu processo artístico, Ana revelou a influência das suas irmãs Lucila e Margarida. A primeira, diretamente no ofício de artesã, estimulou Ana a desenvolver uma possibilidade alternativa de renda. A segunda, por sua vez, passou por momentos extremamente delicados com sua saúde, tendo Dona Ana como porto seguro nos acompanhando ao hospital para o tratamento de câncer desenvolvido de uma sarcoidose pulmonar. Durante os acompanhamentos desempenhou o papel de professora de artesanato com as famílias dos pacientes por todo o período de tratamento, até Margarida falecer. Com o ocorrido, Dona Ana parou de frequentar o hospital e de fazer artesanato por conta do desconforto das memórias que o ambiente e o ofício lhe trazia, junto a saudade (Quadro 05). Após a quebra da empresa do marido, Ana acatou a sugestão da irmã Lucila e passou a trazer itens de Cascavel -CE, onde sempre ia acompanhar sua irmã na compra dos objetos de barro já moldados, prontos para pintura. Desse modo, Dona Ana começou a decorar e vender seus artigos em barro e, em um curto prazo, já era a provedora do lar. Para representar este processo foi feito um quadro inspirado no pássaro joão de barro, que usa a mesma matéria prima de Ana para construir e manter seu lar (Quadro 06).


A narrativa de vida do artista por muitas vezes se mistura com sua arte. Alguns dos itens pintados por dona Ana remetem a sua vivência no interior, como as casinhas simples, alguns pássaros e animais. Entre estes, ela relata um carinho especial pelo jumentinho com “caçuás”, constantemente visto em aracoiaba (Quadro 07). Durante o processo de tratamento do câncer da irmã, Dona Ana esteve fazendo trabalhos voluntários no Instituto do Câncer do Ceará (Casa Vida), com o intuito de fortalecer, em rede, seu emocional durante os tratamentos da irmã. Ela desenvolveu oficinas de artesanatos para os familiares dos pacientes que os aguardavam, num sistema de arterapia coletiva que teve uma pausa em sua vida outrora, mas que hoje houve uma retomada em outros espaços pelo bairro (Quadro 08). O cotidiano de Ana atualmente é estar cercada de itens de barro aguardando suas cores e inspirações. A decoração dessas peças é o que tem movido sua vida para um caminho de autonomia e motivação na economia criativa (Quadro 09).



Diva Moreira

Na foto, acompanhada com a filha Nágila, trabalha com crochê em casa como sua fonte de renda, não expõe em feiras, apenas na internet e oferece variados tipos de serviço com a técnica.






Diva nasceu no Curu, na infância com sete irmãos, recordou as cirandas iluminadas pela lua em que brincavam incansáveis. Este é o único quadro com um fundo preto, assim feito para representar de modo mais fiel as noites de brincadeiras da família e as cores nos corpos das crianças, como a energia que os simbolizava naquela fase da vida (Quadro 01).

Além dos irmãos, outra memória que marcou fortemente a vida de Diva foi o aprendizado de crochê com sua mãe à luz dos postes da cidade. Nesse momento, a família já morava no bairro Antônio Bezerra, e o cenário que ambientou este momento foi o da rua Hugo Victor e aos poucos, com a curiosidade como motivação, foi aprendendo os primeiros pontos de crochê (quadro 02).

Sua infância e adolescência passaram rápido, pois muito cedo ela assumiu responsabilidades do lar. Entre estas, estava a função de cuidar de crianças de conhecidos desde muito jovem, mudando de configuração apenas após o próprio casamento, aos 15 anos (quadro 03).

Após o casamento e passando por imensas dificuldades, Dona Diva transitou por várias ruas do mesmo bairro e uma das mudanças de casa que foi necessário ocorreu devido uma enchente que atingiu a casa em que moravam até a metade de sua altura. Todavia, políticas públicas de assistência retiram todos os moradores da região e assentou o terreno para que fosse possível um retorno dos moradores. Dona Diva relata com um sorriso a volta para a casa, mas explica que até hoje não conseguiu reformá-la (quadro 04). Suas transitoriedades dentro do bairro foram muitas, criando um forte vínculo com o Antônio Bezerra. Saiu do interior e criou raízes no barro vermelho, como era chamado o bairro antes de se tornar Antº Bezerra (quadro 05). A produção de Diva está em rede. Sua técnica aprendida com a mãe hoje escoa através de uma rede de amigas moradoras do bairro, que ela mantém contato principalmente via redes sociais. A maneira encontrada de expressar essa rede de mulheres e nuances que as cercam e as linhas que as conectam (quadro 06).


A obra-presente, pós o primeiro contato nas entrevistas, Diva propôs me presentear com uma peça de sua produção. Escolhi apenas a cor e perceber que trabalhamos com um mesmo material (a linha de crochê) e com a sensibilidade sobre o outro, entre medidas e preferências. Coloco um presente cheio de afeto para ser visto e tocado que simboliza muito dos processos de troca que este trabalho se propõe (quadro 07).

Quando perguntada sobre sua arte e o sua relação com o crochê, foi de intensa demarcação sua fala sobre pensar sobre crochê toda hora. Uma constante pesquisa, observação e interesse contínuo sobre o assunto me fez enxergar esse pensamento contínuo os longos cabelos da entrevistada como uma extensão e simbiótica do seu corpo (quadro 08). Quando questionada sobre as suas mãos, a entrevistada relatou um momento da vida em que as produções tiveram que ser suspensas devido uma alergia sem laudo médico, posteriormente compreendida como uma irritação com fator psicológico, mas que com o tempo e cuidados da família as atividades puderam ser retomadas. Neste processo, Diva também coloca sua crença como algo que a perpassa intensamente e naturalmente dá força ao que lhe é produzindo (quadro 09). Diva no processo da gravação do documentário reforçou em vários momentos o discurso do uso do crochê como hobbie, que durante o processo da exposição, já muda de cenário e ganha força como um labor artístico em sua vida, com precificações mais adequadas e uma grande autoconfiança alcançada depois de ministrar oficinas no TOQUE.


Aretuza Menezes

Com a vida mais voltada à casa, Aretuza nunca teve um trabalho formal e seu principal ofício sempre foi cuidar da família. Seu trabalho consiste em bonequinhos com coco, os quais não são vendidos em grande escala, apenas por encomenda.




Onde nascemos diz muito sobre nossas trajetórias e memórias. Aretuza conduz uma intensa parte sua história de vida à saudade do Crato, onde nasceu. Como ponto de partida proponho uma vista do rua dos cariris, a qual a artesã viveu até sua adolescência (quadro 01). Nas suas narrativas a família se reúne em torno de uma mesa iluminada pela lamparina para ouvir a programação da rádio da cidade. Na família de cantoras e músicos, a rádio teve extrema importância na vida de Dona Aretuza como meio de comunicação e entretenimento (quadro 02). Um dos marcos importantes foi o momento em que Aretuza conheceu seu marido. Segundo seus relatos, o encontro aconteceu na janela de casa e foi amor à primeira vista. Casou-se aos 14 anos de idade, no decorrer da vida teve cinco filhos (quadro 03).

Anos depois, a empresa que o marido de Aretuza trabalha propõe uma transferência de cidade e, sem escolha, teve que vir morar em Fortaleza e iniciar uma nova vida. No quadro do pássaro triste, sinalizo o ponto chave das suas memórias fortemente marcadas pela saudade. Um pássaro triste que tardou pousar o coração em Fortaleza (quadro 7).

A fala da artesã sobre sua chegada na nova cidade e, de imediato, no bairro Antônio Bezerra, é de recolhimento. A ausência de lazer, espaços de convivência no bairro levaram Aretuza e sua família a ter como único meio de entretenimento a televisão. É extremamente forte perceber esse movimento como uma das únicas válvulas de escape possíveis. No quadro quadro, retrato o desejo de uma praça narrado pela artesã (quadro 8).


Depois de muitos anos vivendo em Fortaleza, o artesanato de Dona Aretuza iniciou após um acidente doméstico que causou fraturas em várias partes do seu braço. Desse modo, o quadro demarca um início de uma transição de vida, em que a artesã, após não adaptar-se a fisioterapia, começou a experimentar a feitura de bonecos de coquinhos. Aos poucos ajudou a recuperar os movimentos e simboliza a importância do artesanato na sua recuperação (quadro 7).

O olhar para o artesanato e a arte foi apurado no quadro seguinte, em que represento Weyne, seu filho que também é artesão com foco em restauração de santos e imagens religiosas, em casa os dois se sustentam com seus trabalhos manuais e se apoiam em seus processos criativos. Ao lado, Joana D’arc, amiga (em memória), que construía peças com diversas técnicas artesanais também foi fonte de inspiração (quadro 8). Dona Aretuza constantemente pontua a importância do artesanato como terapia ocupacional, pois segundo ela “trabalho é mente ativa”, inspirando o quadro de uma mulher árvore com flores e galhos verdes como o corpo de uma mulher, encerrando a exposição (quadro 9).

Com narrativas diferentes, suas histórias se cruzam e se potencializam em toque. E você, como o artesanato te toca? Conta pra gente nos comentários. Gostou do projeto? Temos novidades! Participe do mapeamento ou indique artesãs fortalezenses:



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